terça-feira, 23 de junho de 2009

INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

O Conflito entre direitos e bens constitucionais protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios, etc), que podem vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão.

Para solucionar-se esse conflito, compatibilizando-se normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio ao intérprete.

Como definido por Vicente Ráo,

"a hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam".


A palavra intérprete, adverte Fernando Coelho, "tem origem latina - interpretes - que designava aquele que descobria o futuro nas entranhas das vítimas. Tirar das entranhas ou desentranhar era, portanto, o atributo dos intérpretes, de que deriva para a palavra interpretar com o significado específico de desentranhar o próprio sentido das palavras da lei, deixando implícito que a tradução do verdadeiro sentido da lei é algo bem guardado, entranhado, portanto, em sua própria essência."

Analisando a Constituição Federal, Raul Machado Horta aponta a precedência, em termos interpretativos, dos Princípios Fundamentais da República Federativa e da enunciação dos Direitos e Garantias Fundamentais, dizendo que

"é evidente que essa colocação não envolve o estabelecimento de hierarquia entre as normas constitucionais, de modo a classificá-la em normas superiores e normas secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador",

motivo pelo qual classifica-a de Constituição plástica.

A Constituição Federal há de sempre ser interpretada, pois somente por meio da conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, ideológicas do momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.


Interpretação conforme a Constituição

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.

Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico.

Exatamente importante ressaltar que a interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não, ou, no dizer de Canotilho, "a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela".

Portanto, não terá cabimento a interpretação conforme a Constituição quando contrariar texto expresso da lei, que não permita qualquer interpretação em conformidade com a Constituição, pois o Poder Judiciário não poderá, substituindo-se ao Poder Legislativo (leis) ou Executivo (medidas provisórias), atuar como legislador positivo, de forma a criar um novo texto legal. Nessas hipóteses, o Judiciário deverá declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo incompatível com a Constituição.

A finalidade, portanto, dessa regra interpretativa é possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos normativos editados pelo poder competente que guardem valor interpretativo compatível com o texto constitucional.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a técnica da denominada interpretação conforme "só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco", tendo salientado o Ministro Moreira Alves que "em matéria de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, admite-se, para resguardar dos sentidos que eles podem ter por via de interpretação, o que for constitucionalmente legítimo - é a denominada interpretação conforme a Constituição".

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NORMAS CONSTITUCIONAIS COM EFICÁCIA ABSOLUTA, PLENA, RELATIVA, RESTRINGÍVEL E RELATIVA COMPLEMENTÁVEL OU DEPENDENTES DE COMPLEMENTAÇÃO

Maria Helena Diniz propõe uma nova espécie de classificação das normas constitucionais, tendo por critério a intangibilidade e a produção dos efeitos concretos.

Assim, propõe e explica a referida autora que são normas constitucionais de eficácia absoluta:

"as intangíveis; contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem uma força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las.

Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis.

Por exemplo, os textos constitucionais que amparam a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação de poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art. 5º, I a LXXVII), por serem insusceptíveis de emenda são intagíveis, por força dos arts. 60, § 4º, e 34, VII, "a" e "b".


As normas com eficácia plena

"são plenamente eficazes..., desde sua entrada em vigor, para discipolinarem as relações jurídicas ou o proceso de sua efetivação, por conterem todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção imediata dos efeitos previstos, já que, apesar de suscetíveis de emenda, não requerem nomeação subconstitucional subsequente. Podem ser imediatamente aplicadas.


Por sua vez, as normas com eficácia relativa restringível correspondem

"às de eficácia contida de José Afonso da Silva, mas, aceitando a lição de Michel Temer, preferimos denominá-la normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível, por serem de aplicabilidade imediata ou plena, embora sua eficácia possa ser reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer; têm, portanto, seu alcance reduzido pela atividade legislativa.

São preceitos constitucionais que receberam do constituinte normatividade capaz de reger os interesses, mas contêm, em seu bojo, a prescrição de meios normativos ou de conceitos que restringem a produção de seus efeitos. Sãonormas passíveis de restrição"

Finalmente,

"há preceitos constitucionais que têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado. Sua possibilidade de produzir efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos e normas precedentes incompatíveis e impeditivas de qualquer conduta contrária ao que estabelecem.

Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não poderão produzir todos os seus efeitos de imediato, porém têm aplicabilidade mediata, já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional. Por esse motivo, preferimos denominá-las de normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa".


Normas programáticas

As normas programáticas, conforme salienta Jorge Miranda,

"são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mas do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial - embora não único - o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e isso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou uaisqeur cidadãos os invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados".


Portanto, o juízo de oportunidade e a avaliação da extensão do programa incumbem ao Poder Legislativo, no exercício de sua função legifetante e, como salientado por Tércio Sampaio Ferras Jr., "a eficácia técnica, neste caso, é limitada. E a eficácia social depende da própria evolução das situações de fato. Daí resulta uma aplicabilidade dependente".

Maria Helena Diniz cita os arts. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215, 218, 226, § 2°, da Constituição Federal de 1988 como exemplos de normas programáticas, por não regularem diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas limitarem-se a traçar alguns preceitos a serem cumpridos pelo Poder Público, como "programas das respectivas atividades, pretendendo unicamente a cnsecução dos fins sociais do Estado".

APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS*

Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada

Tradicional as normas constitucionais, dada por José Afonso da Silva, em relação a sua aplicabilidade em normas de eficácia plena, contida e limitada.

a) São normas de eficácia plena - aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzam, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente quis regular" (por exemplo: os "remédios constitucionais")

b) Normas constitucionais de eficácia contida - são aquelas em que "o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados". (exemplo: art. 5°,XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendias as qualificações profissionais que a lei estabelecer)

c) Normas constitucionais de eficácia limitada - são aquelas que apresentam "aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade" (por exemplo: CF, art. 37, VII: o direito de greve será exercido nos termos e limites definidos em lei específica. Essa previsão condiciona o exercício do direito de greve, no serviço público, à regulamentação geral. Ainda, podemos citar como exemplo o art. 7°, XI, da CF, que prevê a participação dos empregados nos lucros, ou resultados da empresa, conforme definido em lei)




*Alexandre de Moraes

CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

A doutrina costuma classificar as constituições da seguinte forma:

I - Quanto ao conteúdo: constituições materiais ou substanciais, e formais

a) Materiais ou substanciais - Constituição material consiste no conjunto de regras materialmente constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento.

b) Formal - é aquela consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder constituinte originário.


II - Quanto à forma: constituições escritas e não escritas

a) Escrita - é o conjunto de regras codificado e sistematizado em um único documento, para fixar-se a organização fundamental. Canotilho denomina-a de constituição instrumental, apontando seu efeito racionalizador, estabilizante, de segurança jurídica e de calcularidade e publicidade.

A Constituição escrita, portanto, é o mais alto estatuto jurídico de determinada comunidade, caracterizando-se por ser a lei fundamental de uma sociedade. A isso corresponde o conceito de constituição legal, como resultado da elaboração de uma Carta escrita fundamental, colocada no ápice da pirâmide normativa e dotada de coercibilidade.

Como salienta Canotilho, "A garantia da força normativa da constituição ná é tarefa fácil, mas se o direito constitucional é direito positivo, se a constituição vale como lei, então as regas e princípios constitucionais devem obter normatividade regulando jurídica e efetivamente as relações da vida, dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas de comportamento.

b) Constituição não escrita é o conjunto de regras não aglutinado em um texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções (exemplo: Constituição inglesa)


III - Quanto ao modo de elaboração: constituições dogmáticas e históricas

a) Constituição dogmática se apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e idéias fundamentais da teoria política e do direito dominante.

b) Constituição histórica é fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo (exemplo: Constituição inglesa).


IV - Quanto à origem: constituições promulgadas (democráticas, populares e outorgadas

a) São promulgadas, também denominadas democráticas ou populares, as Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração (exemplo: Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988).

b) Constituições outorgadas - as elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através de imposição do poder da época (exemplo: Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC N° 01/1969)

Existem, ainda, as chamadas constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante outorgadas, dependem da ratificação por mio de referendo.


V - Quanto à estabilidade: constituições imutáveis, rígidas, flexíveis e semirígidas

a) São imutáveis as constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade poderá ser relativa, quando se prevêem as chamadas limitações temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação do legislador constituinte reformador. A Constituição de 1824, em seu art. 174, determinava:

"Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada por terça parte delles".

Saliente-se que, apesar dessa previsão, a Constituição de 1824 era semiflexível, como se nota por seu art. 178, que afirmava:

"É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Públicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias".

b) Rígidas - são as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso doque o existente para a edição das demais espécies normativas (exemplo: Constituição de 1988 - art. 60);

c) Flexíveis - são as constituições, em regra não escritas, excepcionalmente escritas, que poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário.

d) Semiflexível ou semi-rígidas - como meio-termo entre as duas constituições anteriores, surge a constituição semiflexível ou semi-rígidas, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso.

Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (art. 60, § 4° - cláusulas pétreas).


VI - Quanto à sua extenção e finalidade: constituições analíticas (dirigentes) e sintéticas (negativas, garantias).

a) Constituições sintéticas - essas constituições prevêem somente os princípios e normas gerais de regência do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais (por exemplo: Constituição Norte-americana);

b) Constituições analíticas - estas constituições examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado (por exemplo: A Constituição brasileira de 1988).

CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO*

Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres do cidadãos. (Alexandre de Moraes).