sábado, 4 de julho de 2009

A ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

Regulamentando o § 1.º do art. 102 da CF, a Lei n. 9.882/99 estabelece que a ADPF é proposta perante o Supremo Tribunal Federal (controle concentrado) e tem por objeto evitar (ADPF preventiva) ou reparar (ADPF repressiva) lesão a preceito fundamental, resultante de ato (comissivo ou omissivo) do Poder Público. Não há exigência de que seja ato normativo.

Por preceito fundamental devem ser entendidos os princípios constitucionais (inclusive os princípios constitucionais sensíveis arrolados no inc. VII do art. 34 da CF), os objetivos, direitos e garantias fundamentais previstos nos arts. 1.º a 5.º da CF, as cláusulas pétreas e outras disposições constitucionais que se mostrem fundamentais para a preservação dos valores mais relevantes protegidos pela CF.

Nesse aspecto, portanto, o objeto da ADPF é mais restrito que aquele especificado na ADIn e na ADECON, nas quais podem ser discutidos preceitos constitucionais que não se classificam entre os fundamentais.

Pelo inc. I do par. ún. do art. 1.º da Lei n. 9.882/99, a argüição também pode ter por objeto relevante controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à constituição vigente à época de sua propositura.

É a denominada ADPF por equiparação, questionável por aqueles que entendem que a competência do STF somente pode ser firmada por norma constitucional. Creio que a ADPF por equiparação é legítima, pois protege o preceito fundamental da segurança previsto no caput do art. 5.º da CF (preceito genérico que inclui a segurança das relações jurídicas).

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) perante o STF, ao contrário da argüição, não é cabível contra lei municipal.

Cabe argüição (mas não cabe a ADIn) em face de lei (federal ou estadual ou municipal) anterior à constituição vigente à época de sua propositura e que contrarie a ordem constitucional em vigor (RTJ 153/315). Nessa hipótese, não há que se cogitar de inconstitucionalidade, mas sim de revogação da norma anterior pela nova Constituição Federal (trata-se de norma não recepcionada).

A ação pode ser proposta por qualquer dos legitimados para a ADIn (art. 103 da CF, observadas as regras da legitimação temática) e a petição inicial deverá indicar o preceito fundamental violado ou ameaçado e o ato violador praticado pelo Poder Público, a prova da violação (ou do risco desta), o pedido e suas especificações (declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental etc.).

Caso a ação esteja fundada em relevante controvérsia constitucional, a petição inicial deverá ser instruída com prova das divergências. Creio que a hipótese não se restringe a controvérsias no âmbito do Poder Judiciário, mas se for este o caso a petição inicial deverá ser instruída com prova da controvérsia judicial (art. 3.º, V, da Lei n. 9.882/99).

Qualquer interessado pode representar ao Procurador-Geral da República solicitando a propositura da ação, cabendo ao chefe do Ministério Público decidir sobre o cabimento ou não da argüição.

A ação é de natureza residual (alguns utilizam a denominação subsidiária), ou seja, não será admitida quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade (ADIn, ADECON, Reclamação etc.).

Da decisão que indefere a petição inicial cabe agravo, em cinco dias.

Admite-se a liminar, que pela lei poderá consistir na determinação de que juízes e Tribunais suspendam o andamento de processo (e não só o julgamento conforme previsto na ADECON) ou os efeitos das decisões judiciais até o julgamento da argüição, respeitada a coisa julgada. A liminar não está sujeita ao prazo de 180 dias previstos para a medida de semelhante teor da ADECON.

Na prática, a ADPF também é uma avocatória parcial, ou seja, o STF chama para si o julgamento da matéria em debate perante qualquer juiz ou Tribunal e profere uma decisão vinculante quanto ao tema constitucional.

A liminar, porém, pode conter qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição, inclusive com a suspensão de processos administrativos.

A liminar depende de decisão da maioria absoluta dos ministros do STF (dos 11 ministros, 6 devem votar favoravelmente à medida liminar). Em caso de extrema urgência, relevante perigo ou recesso, o relator poderá conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. O relator também poderá conceder o prazo comum de cinco dias para que as autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o advogado-geral da União ou o Procurador-Geral da República, se manifestem sobre o pedido de liminar.

Concedida ou não a liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pelo ato questionado, que terão 10 dias para prestá-las. Caso entenda necessário, o relator poderá ouvir as partes envolvidas nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perícia ou, ainda, fixar data para que pessoas com experiência e autoridade na matéria objeto da controvérsia sejam ouvidas em audiência pública. Assim, embora não se admita a intervenção de terceiros, tem-se presente a figura do amicus curiae, que dá à ADPF um caráter pluralista e permite ao STF conhecer a questão em toda a sua extensão.

Decorrido o prazo das informações, o Ministério Público terá vista dos autos por cinco dias. Não há previsão de vista dos autos caso o Ministério Público seja o proponente da ação.

Em seguida o relator lançará seu relatório, com cópias para todos os ministros, e pedirá dia para o julgamento.

A critério do relator, poderão ser autorizadas a sustentação oral ou a juntada de memoriais.

A decisão do pleno será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos ministros (8 dos 11 ministros é o quorum de instalação). À falta de previsão expressa, concluo que a decisão declaratória de uma inconstitucionalidade na ADPF depende do voto de seis ministros. É a regra geral prevista no art. 97 da CF, no art. 173 do Regimento Interno do STF e, agora, na Lei n. 9.868/99 (que trata da ADIn e da ADECON).

Julgada a ação, o STF comunicará às autoridades ou órgãos responsáveis as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. O Presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente. No prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada pelo Diário da Justiça e pelo Diário Oficial da União.

A decisão que julgar procedente ou improcedente a argüição não está sujeita a recurso ou a ação rescisória, tem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. Por aplicação analógica do art. 26, da Lei n. 9.868/99 (que disciplina a ADIn) cabem embargos de declaração.

A análise conjunta do § 3.º do art. 5.º e do § 3.º do art. 10, ambos da Lei n. 9.882/99, indica que os efeitos vinculante e erga omnes atingem os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal.

Em razão do efeito vinculante, os juízes e Tribunais deverão proferir decisão compatível com o entendimento do STF sobre a matéria objeto da argüição. Caso a regra não seja observada, cabe Reclamação ao STF, medida que permite a apreciação da questão "por salto", ou seja, sem a participação dos Tribunais existentes entre o órgão que inobservou o efeito vinculante e o STF.

A disposição que dá efeito vinculante também nas decisões decorrentes de uma ADPF também é de duvidosa constitucionalidade, pois a CF só garante esse efeito às decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em ações declaratórias de constitucionalidade - ADECON (§ 2.º do art. 102 da CF).

A exemplo do art. 27 da Lei n. 9.868/99 (que trata da ADIn), o art. 11 da Lei n. 9.882/99 prevê que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, pelo voto de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do momento fixado.

O descumprimento da decisão do STF enseja reclamação (art. 102, I, "l", da CF), instrumento que serve para a preservação da competência do Tribunal e para garantir a autoridade de suas decisões.

Na ADIn n. 2231-DF, em trâmite perante o STF, questiona-se a constitucionalidade da Lei n. 9.882/99.

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