sábado, 4 de julho de 2009

PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO

Conceito do Princípio Democrático

Chauí (1994, p.430) salienta que "uma ideologia não nasce do nada, nem repousa no vazio, mas exprime, de maneira invertida, dissimulada e imaginária, a praxis social e histórica concretas. Isso se aplica à ideologia democrática."Em outras palavras, é mister afirmar que existe na prática e nas idéias democráticas uma profundidade e uma verdade muito maiores do que a ideologia democrática percebe ou deixa perceber.

A base do conceito de Estado Democrático e, consequentemente, a base do conceito de Princípio Democrático é, conforme dispõe Dallari (1998), a noção de governo do povo revelado pela própria etimologia do termo democracia – do grego "demos", povo e "kratos", poder -. Examinamos, então, como se alcançou à supremacia da preferência pelo governo popular e quais as instituições do Estado geradas pela afirmação desse governo.

Nunes define democracia como:

"Regime político originariamente criado em Atenas, no século IV a.C. e defendido por Platão e Aristóteles. Funda-se na autodeterminação e soberania do povo que, por sua maioria e em sufrágio universal, escolhe livremente os seus governantes e seus delegados às câmaras legislativas, os quais, juntamente com os membros do poder judiciário, formam os poderes institucionais, autônomos e harmônicos entre si, em que se divide o governo da nação, onde todos os cidadãos gozam de inteira igualdade perante a lei." (1993, p.305)

Neste sentido, Diniz disciplina que democracia é:

"forma de governo em que há participação dos cidadãos, influência popular no governo através da livre escolha de governantes pelo voto direto. É o sistema que procura igualar as liberdades públicas e implantar o regime de representação política popular, é o Estado político em que a soberania pertence à totalidade dos cidadãos. (1998, v. 2, p.52)"

Ferreira (1986), define democracia como sendo o:

"governo do povo; soberania popular; democratismo. Doutrina ou regime político baseado nos princípios de soberania popular e da distribuição equitativa de poder, ou seja, regime de governo que se carcateriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão de poderes e pelo controle da autoridade."

Assim sendo, no concernente ao conceito deste princípio, Bonavides (1999) dispõe do desespero e da perplexidade com que se interrogam os publicistas acerca do que seja a democracia, chegando à conclusão de que raros termos de ciência política vêm sendo objeto de tão freqüentes abusos e distorções.

Segundo Bonavides:

"Pareto, ao pedir a significação exata do termo "democracia", acaba por reconhecer que ‘é ainda mais indeterminada que o termo completamente indeterminado ‘religião’ enquanto Bryce, dando-lhe a mais larga e indecisa amplitude, chega a defini-lo, de modo um tanto vago, como a forma de governo na qual ‘o povo impõe sua vontade de todas as questões importantes’. Foi isso o que Kelsen pôs de manifesto numa de suas obras fundamentais, em cujo preâmbulo fez ponderada advertência sobre os disacordos pertinentes a esse conceito. Para Kelsen, a democracia é sobretudo um caminho: o da progressão para a liberdade (1999, p.267)."

E prossegue, afirmando:

"Variam pois de maneira considerável as posições doutrinárias acerca do que legitimamente se há de entender por democracia. Afigura-se-nos porém que substancial parte dessas dúvidas se dissipariam, se atentássemos na profunda e genial definição lincolniana de democracia: governo do povo, para o povo e pelo povo; ‘governo que jamais perecerá sobre a face da Terra’ (1999, p.267)"

Bobbio (1986, p.18), afirma preliminarmente que:

"O único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos."

Portanto, todo o grupo social está obrigado a tomar decisões que vão vincular a todos com o objetivo de prover a própria sobrevivência. Nos parece óbvio afirmar, contudo, que ao grupo como tal não compete as tomadas de decisões que deveriam ser feitas por indivíduos. Em decorrência disto, é preciso que as decisões, para que possam ser legítimas e aceitas como coletivas, sejam alicerçadas em regras (positivadas ou consuetudinárias). Porém, necessariamente, devem estabelecer quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias e quais os fundamentos e procedimentos para tal.

Dispõe, ainda, Bobbio (1987, p.135):

"Da Idade Clássica a hoje o termo ‘democracia’ foi sempre empregado para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político. Especificamente, designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo."

Nesta linha, urge a necessidade de se apresentar a classificação de democracia, nas formas direta, semidireta e indireta.

As chamadas democracias gregas, cuja noção já vimos ser correspondente à uma aristocracia, eram classificadas como democracias diretas, ou seja, os cidadãos reuniam-se, freqüentemente, em assembléias para resolver os assuntos mais importantes do governo da cidade, conforme dispõe Azambuja (1993, p. 222). Em Atenas, berço da democracia direta, o povo reunia-se no Ágora para o exercício direto e imediato do poder político; o papel do Ágora seria o do parlamento, nos tempos modernos.

Para a existência de uma democracia direta, o homem precisava ocupar-se tão-somente dos negócios públicos, conservando sempre aceso o interesse pela cidadania e pela causa da democracia. A nosso ver, necessariamente, o Estado para exercer democracia direta deve ser muito pequeno quanto ao número de cidadãos e extensão territorial.

Segundo Bobbio (1987, p.149-150),

"Na idade em que se foram formando os grandes Estados territoriais, através da ação centralizadora e unificadora do príncipe, o argumento então tornado clássico contra a democracia consistia em afirmar que o governo democrático apenas era possível nos pequenos Estados. O próprio Rousseau estava convencido de que uma verdadeira democracia jamais existiria, pois exigia entre outras condições um Estado muito pequeno, "no qual ao povo seja fácil reunir-se e cada cidadão possa facilmente conhecer todos os demais".

Entretanto, o que Rousseau (apud Bobbio, 1987) chama de democracia, seguindo a tradição dos clássicos, é a democracia direta, e não a democracia como forma de governo hoje praticada. Para solucionar o problema da forma de governo nos grandes Estados, realizou-se a transição para a democracia representativa e para a democracia semidireta.

Com a impossibilidade prática, na democracia indireta, de utilização dos processos da democracia direta, bem como as limitações inerentes aos institutos de democracia semidireta, tornaram inevitável o recurso à democracia representativa. Este é o regime comum de governo nos Estados modernos. Bonavides (1999, p.272) dispõe que:

"Dizia Montesquieu, um dos primeiros teóricos da democracia moderna, que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar. Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em nome do povo."

Ressaltando a fina ironia de Montesquieu, física e quantitativamente, havia a impossibilidade do retorno à democracia direta, tinha de haver uma forma de o povo ser soberano, decidir e ter poder, mesmo sendo numeroso e espalhada em um grande território. Optou-se por uma forma representativa de democracia, na qual a vontade do povo seria expressada nos órgão competentes pelos seus representantes. Assim, o remédio para a democracia, fundada e legitimada no consentimento dos cidadãos, tinha que ser através de um regime representativo.

As principais características da democracia indireta ou representativa são, dentre outras: a soberania popular, como fonte de poder legítimo do povo; a vontade geral; o sufrágio universal, com pluralidade partidária e de candidatos; a distinção e a separação dos poderes; o regime presidencialista; a limitação das prerrogativas do Estado; e a igualdade de todos perante a lei.

A democracia semidireta segundo Bonavides (1999, p. 274), trata-se de uma modalidade em que se alternam as formas clássicas da democracia representativa para aproximá-la cada vez mais da democracia direta, uma vez havendo no Estado moderno a impossibilidade de alcançar-se a democracia direta idealizada e praticada pelos gregos. O berço da democracia semidireta fora na Suíça, onde se realizavam assembléias abertas a todos os cidadãos que tinham o direito de votar, impondo-se a estes o comparecimento como um dever. A experiência suíça irradiou-se, então, para todo o continente europeu.

Nesta forma de democracia, a soberania está com o povo, e o governo, mediante o qual esta soberania é exercitada, pertence por igual ao elemento popular no que diz respeito às matérias mais importantes da vida pública. Existem alguns institutos representativos da democracia semidireta que até hoje são conhecidos e praticados: o referendum;o plebiscito; a iniciativa; o veto popular e o recall, garantindo ao povo efetiva intervenção e poder de decisão de última instância, definitivo e incontrastável, como no dizer de Bonavides (1999, p.275).

A aplicação do referendum, conforme Azambuja (1993, p.224), "consiste em que todas ou algumas leis depois de elaboradas pelo Parlamento, somente se tornam obrigatórias quando o corpo eleitoral, expressamente convocado as aprova". O referendum pode ser obrigatório ou facultativo: obrigatório se assim determinar a Constituição ou facultativo, se for apenas previsto como uma possibilidade.

Dallari (1998, p.154) considera o plebiscito uma consulta prévia à opinião popular. Dependendo do resultado do plebiscito serão adotadas providências legislativas. Azambuja (1993, p.224) considera o plebiscito um referendumconsultivo, definindo-o como o momento em que o povo é chamado a pronunciar-se sobre a conveniência ou não de uma lei ser feita pelo Parlamento.

A iniciativa popular é o instituto que confere a um certo número de eleitores o direito de propor uma emenda constitucional ou um projeto de lei. Azambuja (1993) afirma ser esta a forma que mais se aproxima da democracia direta e ainda a subdivide em articulada e não articulada. A primeira, corresponde à apresentação de um projeto de lei completo, redigido por artigos; a segunda, corresponderia ao ato do povo pedir ao parlamento que legisle sobre determinada matéria.

O fato do veto popular aproxima-se do referendum, contudo, prescinde de uma lei já existente, que o povo repudia. Assim, dá-se aos eleitores, após a aprovação de um projeto de lei pelo Legislativo, a oportunidade para formularem a aprovação popular.

Recall, conforme Dallari (1998), é uma instituição norte-americana que tem aplicação em duas hipóteses diferentes: para revogar a eleição de um legislador ou funcionário eletivo, ou para reformar decisão judicial sobre a constitucionalidade de uma lei.




Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, advogada em Porto Alegre (RS), mestranda em Direito Público na PUCRS, bolsista da CAPES
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=62

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