domingo, 5 de julho de 2009

FUNÇÕES ESTATAIS, IMUNIDADES E GARANTIAS EM FACE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Introdução

A finalidade das imunidades e garantias previstas para os membros do Legislativo, Executivo, Judiciário e do Ministério Público, para bem exercerem suas funções estatais deferidas pelo legislador constituinte, deve ser analisada à luz do princípio da igualdade, informador dos direitos fundamentais e de todo o ordenamento constitucional; verdadeiro vetor de interpretação constitucional da Democracia, em virtude de seu valor e de seu caráter principiológico.

A Constituição Federal de 1988 adotou, como já visto anteriormente, o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, mostrando-nos que o tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, ou ainda, que o princípio da isonomia protege certas finalidades, o que, de resto, não é uma particularidade do tema em estudo, mas de todo o direito, que há de ser examinado sempre à luz da teleologia que o informa, somente sendo ferido quando não se encontra a serviço de uma finalidade própria, escolhida pelo direito.

Analisando as normas técnicas para a interpretação constitucional, José Tarcízio de Almeida Melo acentua que o caráter teleológico, finalístico, de norma constitucional deve ser levado em consideração, para atingir-se o objetivo imediato que a constituição, desde sua origem, tem preservado.

Esse objetivo deve ser alcançado, em relação às funções estatais, imunidades e garantias previstas na Constituição Federal, pois o intérprete deve respeito à hermenêutica constitucional.


O objetivo colimado pela Constituição Federal, ao estabelecer diversas funções, imunidades e garantias aos detentores das funções soberanas do Estado, Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e a Instituição do Ministério Público, é a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentais e da própria Separação dos Poderes, legitimando, pois, o tratamento diferenciado fixado a seus membros, em face do princípio da igualdade.

Assim, estas eventuais diferenciações são compatíveis com a cláusula igualitária por existência de um vínculo de correlação lógica entre o tópico diferencial acolhido por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, pois compatível com interesses prestigiados na constituição.

Uma interpretação valorativa dos direitos fundamentais, bem como de proteção dos instrumentos e mecanismos previstos constitucionalmente para sua aplicabilidade integral e eficaz, entre eles as previsões de garantias e imunidades, vai ao encontro da dupla finalidade apontada por Mauro Cappelletti, ao dissertar sobre o nascimento da denominada justiça constitucional das liberdades: evitar os regimes ditatoriais e garantir independência e liberdade à função criativa do Judiciário, na efetividade dos referidos direitos fundamentais.

Como salientava Montesquieu, o verdadeiro espírito da igualdade será longe da extrema igualdade, tanto quanto o Céu da Terra. O espírito de igualdade não consiste em fazer que todo mundo mande, ou que ninguém seja mandado; consiste em mandar e obedecer a seus iguais.

No estado natural os homens nascem bem na igualdade; mas não poderiam permanecer assim. A sociedade os faz perdê-la, e eles não se tornam de novo iguais senão por meios das leis. tal é a diferença entre a democracia regrada e aquela que o não é; nesta, só se é igual como cidadão; na outra, também se é igual como magistrado, como senador, como juiz, como pai, como marido, como senhor.

Neste sentido orientou-se o legislador constituinte ao prever a existência de imunidades e garantias aos agentes políticos, que serão analisadas adiante, exercentes das precípuas funções estatais, visando ao bom e harmônico funcionamento e perpetuidade dos Poderes da República e à salvaguarda dos direitos fundamentais.

Ao prelecionar sobre a divisão dos poderes, Montesquieu mostrava o necessário equilíbrio dos Poderes, dizendo que para formar-se um governo moderado, "precisa-se combinar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro.É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir... Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelitos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto".

Não há, pois, qualquer dúvida da estreita interligação constitucional entre a defesa da separação dos poderes e dos direitos fundamentais como requisito sine qua non para a existência de um Estado democrático de direito. Nesta esteira, o legislador constituinte previu diversas imunidades e garantias para os exercentes de funções estatais relacionadas com a defesa dos direitos fundamentais e gerência dos negócios do Estado, definindo-as nos capítulos respectivos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e, também, da Instituição do Ministério Público.

Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes, conseguindo frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitavam de certas garantias e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo. E, quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura, desaguando no próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a necessidade da existência de imunidades e prerrogativas para o bom exercício das funções do Estado.

Se por um lado as imunidades e as garantias dos agentes políticos, previstas na Constituição Federal, são instrumentos para perpetuidade da separação independente e harmônica dos Poderes do Estado, por outro lado, igualmente defendem a efetividade dos direitos fundamentais e a própria perpetuidade do regime democrático.

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